quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Armazém do seu Carioca

Sou o tipo que não gosta de ir a supermercado; aliás, não gostar é pouco; eu odeio ir a supermercado; tenho meus motivos; vejo muitas coisas que não me agradam; o preço de alguns produtos é uma delas; mas é apenas uma; filhos pedindo coisas que não precisam a mães que não sabem dizer “não” é outra; com o advento dos hipermercados, piorou; tudo o que eu não gosto de ver no supermercado se superlativa no hipermercado; aliás, a indústria e o comércio em geral, tanto no Brasil como lá fora, parecem estar na puberdade: o que importa é quantidade e tamanho - garrafa de refrigerante de três litros, só para citar um exemplo.



Eu gostava mesmo era de ir no armazém, na vendinha ou no boteco, que na verdade, vinham a ser no final, a mesma coisa; no meu caso, o armazém do seu Carioca; uns diziam que era gaúcho, que passou um tempo no Rio do Janeiro e voltou com sotaque; eu nunca soube a verdade; mas gostava dele como pessoa; uma enorme barriga, caminhar arrastado por detrás do balcão, sempre com um sorriso no rosto do tamanho da barriga; um dos motivos de eu gostar de ir lá era ouvir aquela fala chiada dele; quando alguém chegava para comprar gás, entrava em cena um dos três filhos do seu Carioca - todos com a mesma esposa – para realizar o transporte; ainda lembro dele gritando, com o tal sotaque carioca: “Chicooo! Vai buxcá um gaixxxx!”


o ambiente no armazém do seu Carioca era tipicamente “botequense”, com direito a linguiça pendendo do teto e pote de balas giratório; eu olhava para aquele pote como um cãozinho diante da máquina de frango assado; no armazém do seu Carioca a gente comprava “no caderno” e a assinatura era o cabelo branco; fossem do pai ou do avô, os cabelos brancos eram a maior prova de confiança que um homem podia dar a um credor; nunca vi no armazém do seu Carioca qualquer aviso de que fosse proibido vender cigarro ou bebida alcoólica a menores de idade; nossos pais não precisavam de uma portaria assinada em Brasília para educar seus filhos; na verdade, nossos avós são os grandes responsáveis pela ótima educação que a minha geração recebeu dos pais. Quem me mandava ao armazém do seu carioca, por sinal, era minha avó.


Sinto falta do seu Carioca em especial, quando vou hoje ao supermercado; quando olho as pessoas se esbarrando na fila, sem pedir desculpas, lembro do amontoado de bêbados abraçados a cantar, no bar do seu Carioca; quando não encontro vaga no enorme estacionamento (e só preciso de UMA vaga!) bate uma saudade da rua de terra, vazia, onde ficava o bar do seu Carioca; quando o caixa do supermercado me cumprimenta por protocolo e não porque gosta de mim, me lembro do seu Carioca e dos seus filhos-caixas, que perguntavam sobre o jogo do meu time, meu desempenho na escola e sobre a minha avó; acho que centenas de armazéns como o do seu Carioca alegraram a vida de milhares de garotos como eu, por este mundo afora e hoje, não existem mais; não faz muito tempo, encontrei por acaso um dos filhos do seu Carioca em meio à correria da cidade, hoje, grande, e ele me deu a triste notícia: o seu Carioca não está mais entre nós; e isso já tem mais de dois anos; não perguntei do que ele faleceu; inclusive não me lembro de ter tido qualquer reação, na hora; fiquei atônito, imóvel, frente ao homem que eu cresci vendo ir “buxcar gaix”; ele pareceu notar minha estupefação; finalmente, manifestei-lhe meus sentimentos, conversamos mais uns minutos e cada um seguiu seu curso, assim como a vida segue; não ouviremos mais falar no seu Carioca, que diziam ser gaúcho; ficamos com a responsabilidade de fazer supermercado.


Um comentário:

Mark disse...

Cara, incrível... Todo mundo deve ter um "Sr. Carioca" em sua infância.

No meu caso era "uma" a Dona Eucita do Armazém Patinho Feito que por sinal ainda existe, mas o que sei é que ela está muito doente no Hospital a algumas semanas.

É triste... Mas ao mesmo tempo muito bom lembrar dos "butecos" de nossas esquinas!