quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Nem contra, nem a favor; muito pelo contrário

Pensar sempre o que se diz é um dever, mas dizer sempre o que se pensa é, no mínimo, uma extravagância; ter opinião quase sempre é preciso; expressá-la, quase nunca é necessário; quando assim se faz, recomenda-se que o bom senso seja o mediador, em qualquer caso; ao mesmo tempo, é preciso que se saiba não cair no eufemismo; ser sutil não é mascarar, embelezar o que deve ser dito; é a tentativa que farei hoje; não sei se vou conseguir.

Comecei com o parágrafo acima porque estamos em tempo de eleições; um tempo em que todos reclamamos de algo: o barulho desagradável dos carros de som fazendo propaganda política; o horário reservado que rouba o tempo dos nossos programas favoritos na TV; não queremos ser incomodados por panfletistas nas ruas, mesmo que o folheto  apresentado seja o do nosso candidato; já sabemos em quem vamos votar, já decidimos tudo, não precisamos de ajuda; na verdade, se pudéssemos, nem mesmo iríamos às urnas, uma vez que não há mesmo ninguém em quem valha a pena votar; o Brasil está perdido e a culpa é dos políticos.

Diante desse pensamento, tão repetitivo quanto inflexível, devo dizer (com o máximo de bom senso possível) que sou plenamente a favor da transmissão automática de todo e qualquer cargo político, hereditariamente falando; filhos de prefeitos, governadores e do presidente do Brasil receberiam, aos 18 anos de idade, por exemplo, a missão de continuar o mandato do pai e, da mesma forma, transmitiriam o mesmo mandato aos netos deles; nada de querer ser atleta ou artista; filho de peixe, político tem que ser; aliás, São Paulo já tem um péssimo exemplo de filho de prefeita que virou cantor; se for pra fazer música ruim, que vá fazer política!

Peguemos o exemplo dos britânicos; ninguém reclama de nada na Inglaterra; não há poluição sonora nem visual em época de eleição - que eles não têm; há ainda a vantagem de ter a nação mundialmente projetada a cada vez que o cetro real é passado a um herdeiro; inclusive, quando algum príncipe resolve entornar uns goles a mais, isso também rapidamente se torna notícia, gerando dezenas de piadas; até os comediantes na Inglaterra saem ganhando com os reis, rainhas e príncipes; e viva a monarquia!

Claro, teríamos que tomar alguns cuidados ao implantar esse sistema no Brasil; o monarca não poderia ter cumprido reinado em nenhuma outra esfera, como por exemplo, rei do futebol, ou rei da música; também não poderia se admitir um rei analfabeto, nem que tivesse sido líder sindical; mulheres seriam boas rainhas, porque no Brasil, tudo o que mulher faz dá mais resultado; tempos atrás, até se cogitou transformar nosso país em república do Tchan; a presidente (rainha) seria uma tal Sheila; que ideia do carvalho!

Que falta de bom senso...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Obra do acaso

O ano era 1997; lembro que era inverno e naquele dia caía uma chuva fina e insistente, típica da estação; eu estava sentado no saguão da sede do meu então novíssimo curso de informática e, para ver a rua, tinha que olhar para a minha direita, através das enormes portas de vidro; dali a pouco eu iria entrar para mais uma aula e, como naquele tempo eu ainda não tinha PC em casa, esperava por aquelas horas semanais em frente ao computador com grande ansiedade e as aproveitava ao máximo; fiz alguns bons amigos, que depois, as circunstâncias da vida me tiraram, como às vezes acontece; mas sem dúvida, aqueles nove meses de cursinho são até hoje uma fabulosa e marcante lembrança daquele distante 1997.

É impressionante como as grandes lições deixam marcas para sempre! E o mais interessante (que é também o que quero contar hoje) é que a referida lição nem teve a ver com informática de fato. Ocorre que nesse mesmo dia que citei, eu entrei na sala de aula com uma latinha de refrigerante e a depositei em cima da mesa, bem ao lado do PC; ao que André, o instrutor, prontamente me informara que tal não era permitido; tentei então argumentar que não havia a menor possibilidade de eu derrubar o líquido, atingindo o computador - motivo da proibição; mas eis que André contra argumentou da seguinte forma:

- É claro que ninguém vai fazer uma coisa dessas de propósito - concordei com a cabeça - e sem querer tudo pode acontecer.

Mais do que ter saído da sala para acabar de beber o refrigerante e só então ter voltado, ficou em mim o aprendizado implícito na situação: que coisas ruins podem acontecer, sob o pretexto de não ter havido intenção de causar prejuízo! Quantos episódios  (desde pequenos incidentes até desastres incalculáveis) podem ser evitados, bastando para isso que se use a prevenção; como diz o ditado: é melhor do que remediar.

Sob o pretexto do "sem querer", pessoas nascem (e morrem!) ocorrem acidentes no trânsito, em família e em parques de diversões; no futebol, um gol contra (marcado, é claro, sem querer) costuma ter consequências danosas, quando não trágicas; afinal, quem não se lembra do triste caso do zagueiro colombiano Escobar, assassinado na porta de uma danceteria em Medelín, supostamente por causa de um gol contra, marcado na copa do mundo de 1994? Também Roberto Bolanõs, o Chaves, deu sua contribuição ao não premeditado ao imortalizar a expressão "foi sem querer querendo"; talvez aí esteja mesmo a melhor forma de se tentar compreender os males causados pelo acaso: a criança que tenta se justificar o erro com a peculiar inocência; mas isso, acrescente-se, só vale para crianças.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Estatuto do Comentarista

Hoje o papo é sobre futebol; um assunto sobre o qual todo mundo no Brasil tem opinião formada; até quem não joga/assiste futebol tem; é aí que começa o erro: formar opinião sobre um assunto do qual nada se sabe; mas isso é bem comum; as pessoas falam sobre tudo, até sobre o que nada sabem. Em 2003 foi criado o estatuto do torcedor, que visa garantir melhorias às pessoas que frequentam estádios; mais do que ser cumprido ou não, o estatuto do torcedor necessita, a meu ver, de uma ferramenta complementar; por isso, quero deixar aqui a minha modesta contribuição, a qual chamarei de Estatuto do Comentarista; trata-se de um pequeno, mas significativo conjunto de regras explicativas para ajudar as pessoas que gostam de emitir comentários tanto sobre o futebol como jogo em si, como sobre a vida dos atletas fora de campo; os parágrafos e artigos estão enumerados conforme me vêm à mente. Vamos lá:

Parágrafo I: o futebol como o conhecemos hoje, foi inventado pelos ingleses, por volta de 1871; mas há relatos de um jogo muito parecido na Idade Média, na Grécia, em Roma e até mesmo na China Antiga - cerca de 3000 anos A.C. Isto significa que filhos, sobrinhos e netos que quebram coisas com boladas dentro da casa não devem ser culpados; não foi a geração deles que inventou nada disso;

Parágrafo II: os ingleses supracitados eram rapazes de fino trato, oriundos da alta sociedade britânica; ou seja, em palavras mais simples, o futebol não é coisa de pobre; ao contrário, no Brasil, por exemplo, o Grêmio de Porto Alegre teve seu primeiro estádio no bairro Moinhos de Vento, tido até hoje como um dos mais nobres da capital gaúcha;

Parágrafo II art. II: no caso de o comentarista em questão não ter a disposição necessária para estudar a historia do futebol, recomenda-se a visitação a qualquer loja de artigos esportivos; a verificação dos preços das bolas, chuteiras e demais artigos de futebol acabará com qualquer associação à pobreza, por parte dos praticantes;

Parágrafo III: de todos os jogadores vinculados a federações, Brasil afora (cerca de 13 mil atletas) apenas um por cento recebe mais do que dois salários mínimos por mês; o comentarista deve ter isso em mente, sempre que for mencionar os supostos altos ganhos monetários de um atleta do futebol;

Parágrafo III art. II: em muitos casos, o salário do atleta é pago por um (ou mais de um) patrocinador e não pelo clube que defende; o cidadão assalariado não deve, portanto, reclamar de sua própria condição, pois, entende-se, que, se seu patrão tivesse o apoio financeiro de uma companhia petrolífera, uma empresa de telefonia móvel ou afins, também o proletariado receberia altos salários; mas isso não acontece; e não é culpa dos homens que trabalham com futebol;

Parágrafo III art. III: no caso de salários pagos pelo clube, segue-se o ciclo 'patrocínio-arrecadação-depósito'; isso se chama capital de giro e acontece em qualquer esporte, como por exemplo, o remo, o tennis e o golfe; comentaristas de futebol devem ler também sobre os demais esportes de competição;

Parágrafo III art. IV: professores não devem se comparar a atletas do futebol; isto porque no Brasil, paga-se muito a quem faz o que é valorizado por muitos, não a quem sabe mais do que os outros;

Parágrafo IV: ao contrário do que prega o senso comum, jogadores de futebol não tem nenhum privilégio particular por causa da profissão que desempenham; trabalham sob chuva/frio/calor intensos (como lixeiros ou pedreiros, por exemplo) tem rotina, alimentação controlada e ficam longe de suas famílias;

Parágrafo V: o preço que o torcedor paga por uma camisa oficial do seu time é igualmente cobrada de um atleta do quadro principal do clube, salvo quando este pratica a troca de camisas com o adversário, ao fim da partida; atitudes como jogar o fardamento para a torcida, por exemplo, são punidas com o desconto do respectivo valor do salário do atleta, ao fim do mês;

Parágrafo VI: torcedor precisa entender que atletas do futebol são seres humanos; se o jogador comete um erro de conduta, ele deve receber sua punição e a historia deve ser esquecida; quando um médico esquece algum instrumento dentro do paciente, as manchetes sobre isso raramente duram mais do que um dia;

Parágrafo VI art. II: nas horas de folga, um jogador de futebol tem o direito de ir aonde tiver vontade e fazer o que quiser; comentaristas de futebol não opinam sobre um balconista de padaria que comete adultério; recomenda-se a mesma postura com um atleta do futebol;

Parágrafo VII: jogadores de futebol são atletas, alguns considerados de alto nível; chegar a esse patamar demanda tempo e a vida é feita de escolhas; enquanto um jogador aprimora suas habilidades com a bola no pé, estudantes aprimoram suas habilidades acadêmicas; às vezes, essa diferença instrutiva aparece em uma entrevista; que isso não seja motivo de crítica; cada um deve tentar ser o melhor naquilo que escolhe fazer;

Parágrafo VIII: quando um torcedor encontra na rua alguém dirigindo um automóvel da marca concorrente do seu, presume-se, ele não agride o motorista; deve se ter a mesma conduta ao encontrar um atleta do futebol que defende o time adversário;

Se este Estatuto do Comentarista fosse levado em consideração, muitos de nós seriam poupados do desinformado discurso ministrado por tantos (de)formadores de opinião, Brasil afora.

Tenho certeza disto!

sábado, 30 de junho de 2012

Esporte de quem?

Quem gosta de futebol e o acompanha sabe que amanhã se conhecerá o campeão da Eurocopa 2012; a final entre Itália e Espanha será 15:45 da tarde, com transmissão ao vivo para dezenas de países; mesmo quem não torce para nenhum dos dois times, acaba tomando conhecimento dos fatos. Porém, uma coisa de que não gosto particularmente na transmissão do futebol moderno são esses horários de inicio (quinze pras quatro lá é hora de começar futebol? Futebol começa três e meia ou quatro horas, caramba! Quinze pras quatro é de hora de trem passar!) mas enfim, como ninguém me consultou para definir esse horário, vamos de quinze pras quatro, mesmo.

Contudo, se há algo que pode impressionar até mesmo quem não entende por que ninguém passa a bola para o baixinho de camisa preta, é a organização dos eventos esportivos europeus; sabem vender um espetáculo, esses gringos! Fazem de um jogo de bola, algo que acontece na esquina da sua rua, um mega acontecimento, que deixa o mundo todo com vontade de assistir; desde a publicidade, com os jogadores de maior destaque fazendo chamadas na mídia, até estádios com lugares marcados, teto retrátil e gramado deslocável. Sim, senhor. É de se admirar. O que vem por aí? Chip na bola? Aí, já é mais complicado; vamos deixar para os homens que decidem essas coisas.


Mas o que quero falar hoje me veio durante a transmissão da semifinal, entre Itália e Alemanha; o jogo já estava dois a zero para os italianos, com dois gols de Mário Balotelli; para quem não sabe, Balotelli é negro, naturalizado italiano e, após o segundo gol havia comemorado com muita “marra”, como se diz. Pois bem; pouco antes do fim do primeiro tempo, o mesmo Balotelli “sentiu dores” e caiu em campo, quando a bola estava nas mãos do goleiro alemão Neuer, o mesmo que levara os dois gols e que agora, se aprontava para chutar para frente, após praticar uma defesa; Neuer, no entanto, ao ver Balotelli caído, supostamente sofrendo de dores, não hesitou em chutar para fora, possibilitando o atendimento médico ao adversário.


Poderia encerrar a crônica aqui; não cabem interjeições de admiração quanto ao comportamento do goleiro; não cabem extensos parágrafos comparativos em relação ao comportamento dos jogadores brasileiros; até porque, tanto lá quanto aqui, creio que o mesmo se deve primeiramente a uma questão cultural, somente depois vem o que acontece dentro de campo; quero dizer, se aprende antes, fora (tanto o certo quanto o errado) e depois, se aplica em campo o que se aprendeu. Mais do que ficar admirado com a atitude humanista do goleiro alemão (em desvantagem no placar, o que sempre torna mais difícil ainda qualquer manobra no sentido se colocar o outro em primeiro lugar) fiquei com um forte desejo de ver a mesma atitude sendo praticada nos campos do meu Brasil; mas para isso, precisamos resgatar o ensinamento de que é correto pôr o outro em primeiro lugar, quando ele necessitar disso; depois, é preciso que os técnicos das categorias de base deixem de ensinar comportamentos errados com a justificativa de que são “malandragens”, “coisas do jogo” e outras explicações pouco lógicas e nada convincentes; ah, sim; precisamos também parar de ver futebol como esporte de pobre.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Amigos Para Sempre

“Alô, Luciano? É o Thiago. Tô te ligando pra dizer que a gente tá mudando de quadra”. Com esta frase, meu amigo e colega de futebol semanal abriu a conversa que teve comigo no celular ontem; além de avisar sobre o novo local de nossos embates esportivos, Thiago, sem saber, fez rodar em minha mente um filme que se passou em menos de um segundo. Se você não está entendendo nada, por favor, continue lendo. Mais para a frente tudo vai fazer sentido.

Eu conheci a turma do professor (de educação física na PUCRS) João em 2007. Eu havia acabado de deixar o time pelo qual jogava e o pessoal dele precisava de um goleiro; foi assim que entrei na vida da galera. Não posso dizer que sou amigo de todo mundo, mas mantenho uma relação civilizada com todos e bastante próxima de alguns. Descontado o tempo em que morei fora do Rio Grande do Sul, jogo bola com esses caras há cinco anos. De lá para cá, me acostumei a encontrá-los todas as segundas feiras; quando falto ou quando o jogo é cancelado, seja por qualquer motivo, minha semana fica incompleta, faltando alguma coisa.

Já aprendi a reconhecer mais ou menos cada um; o atencioso Maurinho sempre me cumprimenta efusivamente, mesmo quando chega atrasado; é comum vê-lo tirando os sapatos e calçando as chuteiras ali na quadra mesmo, sem tempo para ir ao vestiário; Erlon não perde dividida; viril, mas sempre com muita lealdade, carrega justificada fama de esquentado; quando ele se irrita e sai de quadra no meio do jogo, é inútil tentar convencer o cara a voltar; Satanás (que a despeito do apelido, é um ótimo sujeito) é pesado, mas bom de bola; seria craque, mesmo não sendo mais um juvenil, se tivesse uns trinta quilos a menos; quando sofre uma falta e cai no chão, ele mesmo grita “chama lá a Darci Pacheco”!

Hélio é a “contratação mais recente”; negrão de sorriso fácil e futebol simplificado, lembrando o Célio Silva, que fez carreira na zaga do Inter de Porto Alegre; foi meu colega de escola e pra mim, é um orgulho tê-lo de volta à minha vida após tantas idas e voltas, mundo afora; Thiago, o do telefonema, é o zagueiro com pernas estilo “CPI do congresso”: nunca terminam! Quando você acha que já deixou o cara para trás, ele está de novo à sua frente! O grupo tem dois Fabrícios, ambos bons de bola, capazes de decidir um jogo em um lance; Jefferson, quando erra, escuta coisas tipo “tira a franja dos olhos”; detalhe: o cara é completamente careca! Gilson, vulgo “Ratinho”, imortal como o time que ele torce; já derrotou duas cirurgias cardíacas; sua música seria aquela que diz “ele é o bom, é o bom, é o bom”; bom como artilheiro, bom como pai, bom como cidadão; bom até, dizem, como ex marido, mas aí já não sei; o simpático Paulo, ex atleta olímpico, é o que está sempre faltando; não sei o que ele faz, mas já ouvi dizer que ele anda até pela França; tem mania de dizer, ao fim dos jogos, que eu fui o destaque; bondade dele, quase nunca é verdade; ah, sim; tem também os que já saíram, como o Zé, irmão do professor João e o Augusto, dono dos mais longos (e nem sempre tão precisos) lançamentos ao campo de ataque; e tem o João, o professor; de pique fácil, está sempre alguns quilos mais magro; tem a missão de apaziguar os ânimos em todas as desavenças; cuca fresca, não sei como consegue, eu não conseguiria; engraçado, agora me ocorre que sou o único ali que o chama de “professor”, mesmo nunca tendo sido aluno seu; e assim, há cinco anos viemos juntos, dividindo jogos e historias de uma vida, que pelo menos às segundas feiras, tem algo em comum: a paixão pelo futebol. Naquela quadra, foram cinco anos que deixarão saudade; mas tudo o que começa acaba um dia; ou muda; e nós estamos mudando. Não o dia da semana, mas sim a hora e o local dos jogos. Seja bem vindo, novo tempo! Mais historias começarão a ser escritas a cada sete dias. E obrigado, amigos, por estarem em minha vida. Vejo vocês segunda feira que vem.

domingo, 6 de maio de 2012

Feliz aniversário

Hoje é primeiro de Maio, aniversário do Leco. Mas esperem um pouco; essa historia precisa ser mais bem contada...



O ano era mil novecentos e oitenta e oito; o Brasil ainda reclamava da inflação; na TV, a geração pré bunda ensaiava timidamente os primeiros passos do humor sem educação e sem qualidade ao qual estamos acostumados hoje; sonhávamos com um Escort XR3 conversível; usávamos tênis Conga ou Quichute; ouvíamos Legião Urbana, RPM, Madonna, Erasure, New Order e Roxette; se você foi criança naquela época, é muito provável que pertença à última geração que realmente tem motivo para sentir saudade da juventude; impossível não sentir o coração bater mais forte ao lembrar daqueles dias!


Particularmente, tenho também minhas recordações. Alequis entrou na minha vida no segundo ano escolar e por seis anos dividiu comigo o titulo de melhor aluno da sala; em um ano, ele foi o melhor em matemática; no outro, eu fui o melhor em português; num ano, ele tirou mais notas 10; no outro, fui eu; e assim, enquanto o Brasil perdia a copa de 90 na Itália e a guerra fria chegava ao fim entre outros fatos marcantes, a turma 51 da escola Alcebíades dos Santos ia também escrevendo as suas páginas no livro da vida, em uma pequena cidade da região metropolitana de Porto Alegre.


A rua onde Alequis morava sempre me pareceu pertencer a alguma espécie de portal do tempo; mesmo hoje, quando por ela passo, alguma coisa acontece no meu coração – como diria o poeta. Ali, na frente da casa da Flávia, que também era nossa colega, fazíamos as goleiras do futebol, com pedras, camisas amontoadas ou o que estivesse à mão. O pai de Alequis tinha um armazém, o que significa dizer que nós comíamos bala de goma a tarde toda. Quando não havia mais meninos, brincávamos apenas Alequis e eu; isso quando eu obtinha permissão para ir até lá, pois a casa de Alequis ficava longe da minha – na visão da época, a três quadras de distância!


Aquele foi um tempo mágico! Uma das coisas que marcou, pelo menos para mim, a passagem de nossa infância para a adolescência foi uma espécie de Dream Team que Alequis montou comigo e mais dois colegas da sala, já lá pelo sexto ano; Cesar e Juliano juntaram-se a nós e ficamos conhecidos na escola como os 4 cavaleiros do Apocalipse; essa turma então passou a se reunir na casa de Alequis para jogar vídeo game e dar uma folheada em revistas de conteúdo adulto. Às vezes, nos reuníamos na casa de Cesar, que tinha mesa de pingue pongue na garagem. Nessa época eu já não tinha tanta dificuldade em obter junto à minha mãe, permissão para ir visitar meus amigos.






Eu realmente não me lembro em que momento deixei de pedir para a minha mãe permissão para ir visitar Alequis, ou simplesmente Leco; o auto intitulado “Kevin Leco”, que arrancava suspiros das meninas da sala imitando os trejeitos do ator que protagonizou a refilmagem do grande clássico em 1990; o Leco, assumidamente apaixonado pela professora de matemática (seria essa a razão de tamanha dedicação na disciplina supracitada?) o Leco, que ninguém queria enfrentar na rede, nos jogos de voley na educação física e no ‘cinco corta’ nos recreios; o primeiro de nós que começou a se vestir com roupas de corte mais adulto; o mesmo Leco que disputava com o Wagner a artilharia do futebol, dava cola e pedia cola, nas provas; amado por elas, odiado por eles; menos eu, é claro. Esse era o Leco.


Foi esse mesmo Leco que me veio à memória nesta tarde de fina garoa, em que mais uma vez, passei na rua dele; na esquina em que nos despedíamos todos os dias depois da aula, cada um com seu walkman; e olhei para o alto do morro que faz a divisa do bairro; aquele morro que despertava a nossa curiosidade sobre o que haveria do outro lado dele; hoje sei que não há nada; o walkman virou mp3, somente as músicas ainda são as mesmas. Flávia não mora mais lá, a rua foi pavimentada e o cenário todo recebeu as modificações que a inevitável adequação à vida moderna exige; todo aquele universo virou saudade, nostalgia ou o nome que você que está lendo agora, quiser dar, pois isso eu sei, também aconteceu com você, só que foi em outro lugar e com outras pessoas.


O Leco atual é marido e pai; sua filhinha deve estar agora com três ou quatro anos; graças à internet, hoje ninguém mais perde contato com ninguém (a menos que queira), de modo que falo com Leco por e-mail, sempre que me é possível; devo confessar, no entanto, que faz algum tempo que não lhe escrevo nada; por isso estou escrevendo esta; para desejar-lhe, amigo, onde quer que esteja, um feliz aniversário; e agradecer, embora eu saiba que dizer ‘obrigado’ é pouco, por tudo o que você me ensinou e pelo quanto tudo isso me ajudou a ver a vida com mais sentido e a formar o ser humano que me tornei; eu não mudaria um só dia de todos aqueles anos que passamos juntos; porque em qualquer historia, são as primeiras páginas as mais importantes.


Hoje é primeiro de Maio, dia do trabalho; e do amigo.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Aos mestres, com carinho

Lembro até hoje da primeira professora que tive, na vida: Vera era seu nome e tinha longos cabelos negros, mais ou menos como aquela atriz a Claudia Ohana (se você tem menos de 20 anos de idade, joga no Google). Ela era tudo o que eu esperava que minha primeira professora fosse: calma, compreensiva, sorridente e, a despeito de ter apenas seis anos de idade quando fui para a escola, bonita. Muitos anos depois, fui perceber que ela também tinha algo que era muito importante: explicava muito bem a matéria.

Ao contrário de alguns colegas que tive, Vera não se tornou um amor platônico para mim; não sofri nem chorei quando o ano terminou; ao contrário, comemorei muito a primeira aprovação da minha vida; queria mais era ir logo para o ano seguinte; a experiência havia sido extremamente positiva e eu estava ansioso para ver o que me aguardava a seguir.

O segundo ano não trouxe grandes novidades para mim em se tratando de professora; Sandra Regina era, a exemplo de Vera, um amor de pessoa, sendo também altamente dedicada em sua profissão; todos nós seus alunos lhe devemos muito e tenho certeza de que todos os meus colegas ainda lembram dela. Pra mim, aquela coisa de professor tirano continuava sendo uma lenda contada pelos que eram jovens há mais tempo. Mas o ano seguinte provou que eu estava enganado.

Claudete chegou em minha vida no terceiro ano estudantil para me mostrar que as coisas que eu ouvia sobre professores autoritários não eram lenda. Eram muito piores! A antiga palmatória (se você tem menos de vinte anos, já sabe o que fazer, né?) era aplicada nos que não aprendiam as lições; mas mais do que isso, além de nos fazer aprender, Claudete determinava tempo limite para que fizéssemos as coisas; isso, claro, fazia com que os mais lentos entrassem em pânico antes mesmo de começar as tarefas; e com tudo isso, ainda havia quem conseguisse ser bagunceiro em sala de aula(!) era o que se podia chamar de crianças corajosas!

Claudete mandava bilhetes para casa a fim de serem assinados pelo pai ou pela mãe daquele que fizesse bagunça; isso era uma atitude bastante comum aos mestres da época; o que provavelmente, levou toda uma geração a prática do estelionato, ao falsificar a assinatura do responsável para poder entrar na sala no dia seguinte; claro que no caso da Claudete, isso não funcionou; ela se dava ao trabalho de perguntar aos referidos responsáveis sobre os bilhetes, nas reuniões do círculo de pais e mestres; sim, senhor; foi uma geração de professores de ouro, em termos de dedicação.


Mas, apesar de tudo, os professores eram respeitadíssimos por todos nós, alunos; aqueles homens e mulheres que estavam lá na frente, com um pedaço de giz na mão e um livro na outra, eram quase deuses na terra; vistos como alguém que sabia tudo.

Hoje, sou professor de música e observo com certa tristeza que não existe mais essa saudável idolatria por parte dos alunos; tenho, inclusive, alunos que são professores em outras disciplinas; uma aluna me contou dias atrás que, enquanto ela explica a matéria, tem alunos usando fone de ouvido ou trocando mensagens SMS(!)

Eu gostaria de poder levar de volta no tempo esse pessoal que hoje faz isso; ao tempo em que havia revista nas mochilas, por parte dos professores, à procura de walkmans (se você tem menos de vinte anos...) os quais, caso encontrados, lá se ia uma folha de nossos cadernos em forma de bilhete para os pais; isso mesmo! Éramos proibidos simplesmente de levar rádios portáteis para a escola; os mais ousados arriscavam escutar no intervalo (recreio, à época) mas não podiam deixar que tal ato chegasse aos ouvidos de algum desafeto; em poucos minutos, algum professor (e podia ser QUALQUER UM) ficava sabendo; e tome bilhete pra casa!

Sejam autoritários ou permissivos, descolados ou conservadores, expressivos ou reservados, fato é que os professores nunca passam despercebidos em nossas vidas; gosto de pensar neles com uma frase que minha finada avó usava para se referir ao grupo docente: "políticos, atletas, artistas, todos passam pelas mãos deles (os professores) isso os torna as pessoas mais importantes do mundo".

Sem sombra de dúvida.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Energia que um dia contagiou

Andei uns dias sem escrever aqui, por força das circunstâncias, que é a desculpa que a gente normalmente usa quando tem preguiça de fazer alguma coisa; claro que tenho mesmo minhas atividades; mas o que andou me faltando foram temas, ideias; até tive algumas, mas não dariam para manter a sequência diária de artigos - o que, aliás, é uma das coisas que admiro nos cronistas da mídia impressa; não é fácil ter ideia todo dia; menos ainda ideias boas!

O assunto do momento é o Carnaval; nunca sei se devo escrever 'Carnaval' com letra maiúscula ou não; é fato que é nome próprio, mas não é definitivo, prova está que possui plural. Bem, mas como isso de gramática não interessa aos foliões, vamos falar do Carnaval como festa popular; e em maiúscula.

Apesar de ser avesso ao Carnaval na avenida, sempre assisto a todas as noites de desfile pela TV; e antes que comecem os engraçadinhos dizendo que eu não sei sambar, já vou logo avisando: eu não sei sambar! Mas nem é esse o motivo principal; é que pra mim, o Carnaval virou sinônimo de nostalgia; sempre fico horas lembrando dos antigos e "grudentos" refrões dos anos 80 e 90; aqueles que, como eu, são jovens há mais tempo irão se lembrar de "bum, bum, paticumbum prungurundum", "yes, nós temos braguinha", "liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós" e tantos outros; hoje, não se sabe mais qual a bateria que está tocando; os intérpretes imortais, identificados com sua escola de samba estão desaparecendo; alguns, por força maior; outros, seduzidos por algo que lhes pareça mais vantajoso - seja lá o que isso signifique - simplesmente mudaram de barracão, levando o apelido conquistado na escola de origem, confundindo, assim, os menos avisados:

 - Luisinho de onde? Mas não era da... da... como é mesmo o nome?

Sinto falta particularmente, de um refrão forte; o último que se cristalizou na minha mente data de 1992 e dizia algo tipo "explode coração/ na maior felicidade/ contagiando sacudindo essa cidade"; verdade que ganhou força embalado por muitas torcidas de futebol; cada torcida adaptou o hitzinho de acordo com suas necessidades de comemorar ou zuar a torcida rival; mas isso só aconteceu porque a letra, em sua essência, era boa; tudo o que é bom, é difícil de esquecer; embora a recíproca não seja verdadeira.

É isso; vou agora curtir mais um pouquinho de Carnaval (em maiúscula, afinal de contas) da forma como cedo aprendi e da qual mais gosto; pela TV; se eu não penso em ir à avenida, algum dia? Sim, talvez; não descarto de todo tal hipótese; mas sabe como é, Carnaval é em época quente; refrigerante, ar condicionado, poltrona macia... são coisas difíceis de largar; se fosse para ir num desfile de antigamente, quando eu ainda não tinha idade para ir a desfiles, aí, sim; deixaria tudo; o que tenho medo mesmo é de, no futuro, não me lembrar dos refrões de hoje em dia. Nem ter o que escrever em letra maiúscula.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Assim caminha a musicalidade

A música “ai, se eu te pego”, do cantor Michel Teló é o maior sucesso do momento; isso, todo mundo já sabe; mas o cantor vem sendo alvo de críticas; bem, isso todo mundo também sabe; o que muitos não sabem é explicar o porquê de tanto nariz torcido para o som do rapaz; acho que eu sei; mas para dar minha versão dos fatos, preciso antes voltar algumas décadas no tempo...



Minha geração foi criança nos anos oitenta; portanto, meus contemporâneos e eu vimos a música brasileira passar por várias transformações; nós escutamos radio desde antes de as emissoras darem espaço às bandas de pagode; isso mesmo! Hoje parece mentira, mas houve um tempo em que as rádios simplesmente se negavam a tocar pagode; e o mesmo anteriormente, se aplicava ao sertanejo; nós acompanhamos o processo de transição dos discos de vinil para os discos laser compactos e mais recentemente, para o mp3; já vimos muita coisa em se tratando de música; e olhe que acabamos de passar dos 30 anos de idade!


O que essa geração que nasceu na web não sabe é que naquele momento, música era sinônimo de sentimento; nós (assim como a geração anterior e que, portanto, foi responsável por nossa educação musical) ouvíamos música por algum motivo e esse motivo estava ligado ao sentir; fosse porque estávamos tristes, porque estávamos contentes, porque sentíamos saudade; porque estávamos apaixonados, ou descornados; porque tínhamos fome, sede, não importa; sempre havia um sentimento por trás da música que a gente ouvia; isso norteou nossos pensamentos e inegavelmente, contribuiu para a formação das pessoas que somos hoje. Então, quando você vê hoje um cantor que conquista espaço na mídia (o que é cada vez mais difícil) usar esse mesmo espaço para realizar um trabalho sem a mesma qualidade com que estamos acostumados, acaba irritado porque temos certeza de que os nossos ídolos jamais se exporiam ao ridículo, cantando versos que não dizem nada.


Devo dizer, não incluo aqui os comentários de pessoas mal amadas, de todas as gerações, que criticam Teló pelo simples hábito de viver criticando alguma coisa e fazem dele o Cristo da vez; particularmente, nada tenho contra Michel Teló; afora o fato de achar que ele está desperdiçando seu talento como interprete; muitos, como eu, já o conheciam dos tempos de vocalista do grupo “Tradição”; ali, sim, cantando sucessos como “Campeão de Bilheteria” e “Garçom Amigo”, entre outros, ele mostrava seu valor como artista e a qualidade da sua voz; mas com “ai, se eu te pego”, ele provou que está mais interessado em quantidade do que qualidade; também não cabem aqui as pífias justificativas como “mas ele é carismático” (e ele é) “a música é um sucesso, é animadinha, gostosa de dançar” (sim, ela é); mas tudo isso apenas endossa a opinião dos contestadores: a música é ruim demais! Se a música fosse boa, o carisma do intérprete nem seria mencionado; observem, por exemplo, a qualidade musical do emburrado João Gilberto; e, para não nos prendermos à música, alguém já ouviu comentários sobre a simpatia de Arnaldo Jabor? Eu, nunca; não precisa; a qualidade do seu trabalho é o que aparece, porque é ela que deve aparecer.


Qualidade; esta palavra anda meio em desuso na MPB; no começo, quando aquela dupla de MC’s cantava nos domingões “sabe, tchuru ruru” eu achava que fosse coisa da minha cabeça, que músicas como aquela jamais iriam ganhar muito espaço; daí, veio a garrafinha, que tinha boca pra gente dançar; veio neném e o pinto do meu pai, que dizem, fugiu com a galinha da vizinha; até carrinho de mão apareceu; e nessa granja que virou a música brasileira, tinha até uma tal de eguinha dando seus relinchos pelos palcos, Brasil afora; dizer que isso representa a cultura nacional então, parece piada; tem que ser alguém muito sem noção para concordar com essa ideia que é, no mínimo, constrangedora; imaginem um estrangeiro vindo pra cá e voltando pra sua terra, dançando essas coisas e dizendo pros vizinhos “aprendi isso no Brasil; é a cultura deles”; eu, não sairia mais de casa;


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Sempre fale com estranhos




Sou o típico fã de idosos; gosto do seu andar vagaroso, a maneira serena com que lidam com tudo e todos; me encanto em especial com os seus cabelos brancos, porque sei que ali está o maior símbolo da sua sabedoria; mas me fascina mais ainda o fato de saber que a história foi escrita enquanto aqueles cabelos embranqueciam; o mundo viu surgir o telefone, a TV, os campeões do esporte, os ditadores e os que lutaram pela paz; tudo isso aconteceu durante o tempo em que nossos pais nasceram, cresceram, se tornaram pais e avós; não é fascinante?


Sempre aprendo alguma coisa com os idosos; gosto também da forma como são receptivos e falantes; não se defendem, não tem medo; um idoso já nos trata no primeiro encontro como se nos conhecesse há anos e uma semana de amizade tem a proporção de quase uma vida inteira; como os idosos lidam bem com a efemeridade do tempo! Parece que nunca em suas vidas eles ouviram falar na frase que eu cresci escutando: “nunca fale com estranhos”.


Obviamente, não obedeci à risca essa recomendação que por sinal, foi dada pela primeira vez pela minha avó; e mais obviamente ainda, colhi os benefícios e agruras dessa minha desobediência; mas posso dizer sem medo de errar que mais ganhei do que perdi nessa manobra, ao longo da vida; também não significa que eu não siga os conselhos dos mais velhos, a despeito da minha simpatia para com eles; é que, digamos, eu não falo com estranhos, se esses forem jovens; falo somente com estranhos idosos; isto é, ah, vocês entenderam!


Agora, imagine a seguinte cena: há uma fila de banco, muitas pessoas, cada uma com mil coisas para fazer e querendo sair dali o mais depressa possível; os idosos também estão ali, apenas na caixa preferencial; há jovens, moças, rapazes, senhores e mulheres de todas as idades; então, de repente, ouve-se aquela voz de um dos caixas: “pessoal, o sistema saiu do ar. Peço que aguardem uns minutinhos”.


Adivinhe quem é que se mostra tolerante? Quem, dentre os presentes não emite um palavrão repulsivo, nem sequer balança a cabeça em negativa? Nem o mais sutil sinal de reprovação? Certo, os idosos! Certa vez, me encontrava na situação em que acabo de descrever; ao ouvir a notícia da queda do sistema, confidenciei ao meu companheiro de fila, posicionado imediatamente à minha frente: “não é possível! Mas que droga! E agora?” e já me preparava para desfiar um rosário de lamentações sobre o pobre homem, quando este me interrompera com um simples, mas firme: “agora, tem que esperar voltar”.


E não é que ele tinha toda a razão?


O referido senhor nem era assim tão idoso; prova está que ele estava na mesma fila que eu; foi somente depois da maneira serena como ele se comportou que prestei mais atenção a ele: aparentava algo em torno de cinqüenta anos de idade; cabelos levemente grisalhos; não era rico, mas via-se que tinha bom porte, parecendo ter sido a vida toda um perfeito cavalheiro; a certa altura da vida, todo homem passa a ter essa aparência, mesmo que tenha sido sempre um mero coadjuvante em todos os papeis que desempenhara; e é isso que me impressiona nos idosos; eles sabem lidar com todas as situações com equilíbrio, de modo que aquela pessoa parece ter sido daquele jeito a vida toda; a maturidade traz sabedoria para driblar as mazelas da vida de um jeito que a vitalidade da juventude jamais conseguiria; é por isso que eu sempre desejei a eterna velhice e não a eterna juventude; já pensou passar a eternidade reclamando das filas dos bancos? Isso não é para mim!


Porém, não há como negar: a maturidade como a conhecemos, está desaparecendo; em algumas décadas, provavelmente não veremos mais vovós fazendo bolos, tricotando ou tomando chá da tarde com as amigas; tenho um conhecido cuja avó é um grande exemplo disso; a avó, uma senhora já quase septuagenária, dirige carro, faz academia, toca violão, vai com os esposo a bailes toda semana, é presidente da associação de seu bairro e acha tempo para lecionar geografia; aposentadoria, como ela mesma define, é “coisa de velho”; seu cabelo é branco e ela não reclama de enfrentar filas; nunca a vi dirigindo, mas quase posso jurar que ela nunca xinga os outros motoristas, no trânsito. Esta é a nova idade madura; um novo tempo está chegando. Graças a Deus!