terça-feira, 11 de junho de 2013

Cento e oitenta milhões em reclamação


Como a maioria das pessoas, ando um pouco ranzinza com essa historia de copa do mundo no Brasil. Mas meus motivos, tenho certeza, são um pouco diferentes dos delas. Eu ando ranzinza com quem anda ranzinza; explico: ora, o evento máximo do futebol prestes a acontecer na terra do futebol e todo mundo só sabe reclamar que vai dar engarrafamento e aeroporto congestionado? Será que houve tanta reclamação assim na áfrica, na Alemanha ou no Japão e na Coréia? – isso para citar apenas os mais recentes hóspedes da copa. Não, não foi uma pergunta. Se fosse a resposta seria ‘não’. Todos esses países ficaram satisfeitíssimos em receber um acontecimento da grandeza da copa do mundo – a despeito da arrogância da entidade “maior” do futebol, que insiste em empurrar garganta abaixo o seu já defasado nome, obrigando até as televisões a pronunciar a sigla, a cada vez que se fala em copa do mundo.


Voltemos aos brasileiros. Não adianta tentar fazê-los enxergar os benefícios que a copa trará; é inútil falar em legado (talvez funcionasse se alguém explicasse o significado desta palavra); os que não vêm sentido no desenvolvimento econômico insistem em preservar as árvores e deixar as ruas estreitas, as mesmas ruas que depois, se congestionam – culpa das montadoras, que estão fabricando carros demais – falam em utilização de bicicletas, mas assim como as copas do mundo, isso também parece recurso exclusivo dos europeus. Por aqui, a coisa “funciona” mais ou menos assim: ‘se os outros usassem mais a bicicleta, então, eu não ficaria preso no trânsito com meu carro e não precisariam derrubar as árvores para alargar a pista’.


Imagina na copa!


No último amistoso da seleção antes da estreia na copa das confederações, Brasil e França se enfrentaram na arena do Grêmio. Eu estava jogando tênis em um parque quando passou na rua em frente, um ônibus de turismo, escoltados por aqueles batedores de motocicletas, com suas luzes e sirenes chamando a atenção de todo mundo. Lembro que era a minha vez de sacar, mas parei para ver a cena. Acho que era o ônibus levando a seleção francesa, pois a nossa, tem seu próprio veículo. Sei que uma parte de mim, foi para a arena dentro daquele ônibus; não, eu não queria ser francês e jogar contra o Brasil. Eu queria ter sido jogador de futebol; goleiro e da seleção; mas também não é por não ter conseguido ser que eu estou tão eufórico com a copa, aliás, com as duas copas que serão realizadas por aqui. É porque estamos vivos e com saúde para presenciar um momento único, uma passagem histórica no esporte mundial e que, muito provavelmente, não veremos outra vez, nesta vida. Exatamente como quando colecionávamos figurinhas das copas passadas. Só que agora ao vivo, praticamente no pátio de casa! Aí está a razão da minha empolgação.


Depois do tênis, fui com meu colega e a família dele almoçar no shopping; ao passar por uma loja de eletrônicos, havia uma TV de sei lá quantas polegadas, bem na entrada – sintonizada em desenho animado! Eram mais de quatro da tarde (hora de início da partida) e minha vontade foi perguntar ao vendedor por que motivo aquela GERINGONÇA, vendida a peso de ouro, que tem a mesma função da Telefunken da minha avó, hoje aposentada em cima do guarda roupas (a TV, não a avó) não estava sintonizada no jogo da seleção do meu país! Daí, eu chego em casa, ligo a TV no domingo de noite, em um programa esportivo e a enquete dá o resultado da pergunta: “pelo que apresentou hoje contra a França, o Brasil tem condições de ser campeão da copa das confederações?” e sessenta e dois por cento respondem que não(!)

 

Lembrei-me de um antigo programa de perguntas e respostas no qual, de vez em quando o apresentador dizia “mas você entendeu bem a pergunta? Oeeee!” sim, porque somente isso é capaz de explicar um resultado desses: quem respondeu não entendeu a pergunta. Então, vamos reproduzir aqui, falando paulatinamente e mentalizando gestos: pelo que apresentou HO-JE, o Brasil tem condições de ser campeão da CO-PA DAS CON-FE-DE-RA-ÇÕ-ES? Ora, se vencendo a França por três a zero, sessenta e dois por cento acham que não ganha a copinha, eu proponho outra pesquisa interativa: ‘o que você acha que o Brasil vai fazer na copa do mundo em 2014?’ 1) papel de palhaço; ou 2) tornar o acarajé um alimento mundialmente conhecido.


Enfim, eu ando ranzinza; não com a copa; com essa, estou feliz da vida. Não sei se o Brasil vai ser campeão, mas o importante é que verei uma copa do mundo; falarei com pessoas de (quase) todo mundo, conhecerei hábitos diferentes e elementos culturais que, sem o mundial, eu poderia nunca vir a conhecer. Não vou perder tempo derrubando beicinho porque o trânsito está devagar (coisa que, diga-se, vem acontecendo muito antes da copa) e assim como japoneses, coreanos, alemães e africanos, entrarei para o seleto time dos povos que sediaram uma copa do mundo de futebol. Só aí, já terei muito a comemorar!

 

PS: será que já tem alguém fazendo birra no Kattar, pela copa de 2022?

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Minha Santa Maria

Para a cidade de Santa Maria, o fim do mundo chegou com atraso; em relação à previsão do calendário Maia, que dizia que o fim do mundo seria em 21 de Dezembro do ano passado, exatos 36 dias separaram o anunciado Apolicapse que logo viraria piada de uma tragédia real para os moradores da referida cidade; dizem que o fim do mundo é algo relativo. Quando eu era criança, outra Santa Maria me ensinou que o mundo acabava todos os dias para quem morria; para essa senhora, o mundo acabou também em um 27, o de Dezembro de 1994; minha Santa Maria foi responsável pela minha educação e por pelo menos 80% do homem que sou hoje; minha avó, dona Santa, como era conhecida, não viu o fim do mundo na cidade da qual ela herdou o nome; nós, sim; em tempos de comunicação instantânea, vimos em Santa Maria foi o fim de um mundo que em nada lembra relativização; foi, sim, o fim do mundo inteiro; e também do mundo de cada um de nós; quem não precisou chorar a morte de um ente querido, igualmente se estarreceu diante da fragilidade da vida, incapaz de resistir ao afunilamento de pessoas rumo a uma única saída de um estabelecimento; situação aliás, bastante comum em qualquer casa de shows, estádios, supermercados e demais locais onde haja aglomeração de pessoas, hoje em dia; acontece o tempo todo, em qualquer cidade de um mundo que agora, vai tentar se recriar a partir das cinzas da boate Kiss.


Tudo já foi dito sobre as emocionantes manifestações de solidariedade de pessoas que abandonaram o conforto de suas casas para ajudar quem precisava; tudo já foi dito a respeito da necessidade de se buscar e encontrar respostas, a fim de evitar novas catástrofes; nada mais há citar também no que diz respeito à necessidade de melhorias do ponto de vista técnico e operacional de eventos como esse; famosos e anônimos manifestaram suas condolências da forma como puderam; foram camisetas, pulseiras e fitas amarradas nos dedos, todas da cor preta; foram mensagens de conforto via redes sociais de todo tipo; foram telefonemas, abraços e palavras de quem pôde estar perto para ajudar nesta hora que, por mais que saibamos que vai chegar um dia, sempre parece acontecer cedo demais.


Por isso, o que quero deixar aqui é a minha revolta com uma minoria que se aproveitou de uma tragédia dessas proporções para justificar seu fanatismo imbecil; pessoas que seguem "religiões" cujo único objetivo é dominar mentes incapazes de funcionar sem um "líder" que lhes diga o que fazer, usaram o incêndio da boate Kiss para "alertar para a necessidade de se buscar diversão no lugar correto"; ora, como esses acéfalos só sabem trilhar o caminho do burro em direção às suas igrejas, imagino que as mesmas sejam o "lugar correto", onde elas vão buscar "diversão". Todos sabem que o fanatismo é irritante, preconceituoso e por isso mesmo, acaba tendo efeito oposto ao que querem os religiosos fanáticos: afasta as pessoas das igrejas. O que me revolta é ver que essas pessoas tentam justificar o que elas tem como sendo a verdade a partir de um acidente que tirou a vida de mais de duas centenas de pessoas! Tal não chega a ser surpresa se pensarmos como esse bando de ovelhas (no sentido literal da expressão) acredita que até mesmo um simples tropeção na rua pode ser causado pela "falta de Deus" em nossas vidas. Se fosse assim, como explicar o desabamento do teto de uma igreja em vila Mariana, São Paulo? (leia mais aqui http://pt.wikipedia.org/wiki/Desabamento_do_teto_da_igreja_Renascer_em_Cristo_em_2009) será que os fiéis presentes naquele momento não estavam exercitando a fé com intensidade suficiente para segurar o teto em seu devido lugar? Ou mais certo seria imaginar que o dízimo arrecadado não foi o bastante para financiar uma vistoria e, eventualmente, uma reforma a tempo de evitar o acidente? O infeliz exercício de desumanidade prestado pelos que perderam a chance de ficar calados, citando a boate Kiss como justificativa para sua forma de pensar, evidencia apenas uma coisa: a mentalidade tola de pessoas que vivem cerceadas em uma redoma que consideram perfeita, vivendo suas meias-vidas de uma forma medíocre, "orientadas" por líderes que, por sua vez, não possuem qualquer condição de dizer aos outros o que é certo ou errado.


Minha avó, Santa Maria, me ensinou que Deus é bom; me ensinou também, a não acreditar muito em igrejas, nem em líderes terrenos. Da outra Santa Maria, nada sei, nem conheço um único habitante sequer; mas nem por isso deixei de me emocionar com o que vi e o que li; muito se falou em pais enterrando filhos, e também sobre uma dor que somente quem é mãe consegue entender; mas na verdade, todos nós temos alguém que amamos; alguém que temos medo de que saia de casa e não volte com vida; alguém em quem logo pensamos quando assistimos reportagens como a da boate Kiss. Meus sentimentos estão com todos os que perderam alguém nesse triste 27 de Janeiro de 2013. Mas, se há uma lição em tudo o que acontece na vida, meu desejo é também o de que, tão logo o tempo faça sua parte no processo de cura de nossos corações, possamos nos lembrar dessa tragédia para deixar claro, em cada palavra e em cada gesto, o quanto gostamos das pessoas que fazem parte de nossoas vidas.

Sempre; não apenas até a próxima tragédia.