terça-feira, 10 de julho de 2012

Estatuto do Comentarista

Hoje o papo é sobre futebol; um assunto sobre o qual todo mundo no Brasil tem opinião formada; até quem não joga/assiste futebol tem; é aí que começa o erro: formar opinião sobre um assunto do qual nada se sabe; mas isso é bem comum; as pessoas falam sobre tudo, até sobre o que nada sabem. Em 2003 foi criado o estatuto do torcedor, que visa garantir melhorias às pessoas que frequentam estádios; mais do que ser cumprido ou não, o estatuto do torcedor necessita, a meu ver, de uma ferramenta complementar; por isso, quero deixar aqui a minha modesta contribuição, a qual chamarei de Estatuto do Comentarista; trata-se de um pequeno, mas significativo conjunto de regras explicativas para ajudar as pessoas que gostam de emitir comentários tanto sobre o futebol como jogo em si, como sobre a vida dos atletas fora de campo; os parágrafos e artigos estão enumerados conforme me vêm à mente. Vamos lá:

Parágrafo I: o futebol como o conhecemos hoje, foi inventado pelos ingleses, por volta de 1871; mas há relatos de um jogo muito parecido na Idade Média, na Grécia, em Roma e até mesmo na China Antiga - cerca de 3000 anos A.C. Isto significa que filhos, sobrinhos e netos que quebram coisas com boladas dentro da casa não devem ser culpados; não foi a geração deles que inventou nada disso;

Parágrafo II: os ingleses supracitados eram rapazes de fino trato, oriundos da alta sociedade britânica; ou seja, em palavras mais simples, o futebol não é coisa de pobre; ao contrário, no Brasil, por exemplo, o Grêmio de Porto Alegre teve seu primeiro estádio no bairro Moinhos de Vento, tido até hoje como um dos mais nobres da capital gaúcha;

Parágrafo II art. II: no caso de o comentarista em questão não ter a disposição necessária para estudar a historia do futebol, recomenda-se a visitação a qualquer loja de artigos esportivos; a verificação dos preços das bolas, chuteiras e demais artigos de futebol acabará com qualquer associação à pobreza, por parte dos praticantes;

Parágrafo III: de todos os jogadores vinculados a federações, Brasil afora (cerca de 13 mil atletas) apenas um por cento recebe mais do que dois salários mínimos por mês; o comentarista deve ter isso em mente, sempre que for mencionar os supostos altos ganhos monetários de um atleta do futebol;

Parágrafo III art. II: em muitos casos, o salário do atleta é pago por um (ou mais de um) patrocinador e não pelo clube que defende; o cidadão assalariado não deve, portanto, reclamar de sua própria condição, pois, entende-se, que, se seu patrão tivesse o apoio financeiro de uma companhia petrolífera, uma empresa de telefonia móvel ou afins, também o proletariado receberia altos salários; mas isso não acontece; e não é culpa dos homens que trabalham com futebol;

Parágrafo III art. III: no caso de salários pagos pelo clube, segue-se o ciclo 'patrocínio-arrecadação-depósito'; isso se chama capital de giro e acontece em qualquer esporte, como por exemplo, o remo, o tennis e o golfe; comentaristas de futebol devem ler também sobre os demais esportes de competição;

Parágrafo III art. IV: professores não devem se comparar a atletas do futebol; isto porque no Brasil, paga-se muito a quem faz o que é valorizado por muitos, não a quem sabe mais do que os outros;

Parágrafo IV: ao contrário do que prega o senso comum, jogadores de futebol não tem nenhum privilégio particular por causa da profissão que desempenham; trabalham sob chuva/frio/calor intensos (como lixeiros ou pedreiros, por exemplo) tem rotina, alimentação controlada e ficam longe de suas famílias;

Parágrafo V: o preço que o torcedor paga por uma camisa oficial do seu time é igualmente cobrada de um atleta do quadro principal do clube, salvo quando este pratica a troca de camisas com o adversário, ao fim da partida; atitudes como jogar o fardamento para a torcida, por exemplo, são punidas com o desconto do respectivo valor do salário do atleta, ao fim do mês;

Parágrafo VI: torcedor precisa entender que atletas do futebol são seres humanos; se o jogador comete um erro de conduta, ele deve receber sua punição e a historia deve ser esquecida; quando um médico esquece algum instrumento dentro do paciente, as manchetes sobre isso raramente duram mais do que um dia;

Parágrafo VI art. II: nas horas de folga, um jogador de futebol tem o direito de ir aonde tiver vontade e fazer o que quiser; comentaristas de futebol não opinam sobre um balconista de padaria que comete adultério; recomenda-se a mesma postura com um atleta do futebol;

Parágrafo VII: jogadores de futebol são atletas, alguns considerados de alto nível; chegar a esse patamar demanda tempo e a vida é feita de escolhas; enquanto um jogador aprimora suas habilidades com a bola no pé, estudantes aprimoram suas habilidades acadêmicas; às vezes, essa diferença instrutiva aparece em uma entrevista; que isso não seja motivo de crítica; cada um deve tentar ser o melhor naquilo que escolhe fazer;

Parágrafo VIII: quando um torcedor encontra na rua alguém dirigindo um automóvel da marca concorrente do seu, presume-se, ele não agride o motorista; deve se ter a mesma conduta ao encontrar um atleta do futebol que defende o time adversário;

Se este Estatuto do Comentarista fosse levado em consideração, muitos de nós seriam poupados do desinformado discurso ministrado por tantos (de)formadores de opinião, Brasil afora.

Tenho certeza disto!