quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Vinte anos depois

A locadora de vídeo é, de fato, um lugar que eu deixei de freqüentar, depois da era DVD. Digo isso porque hoje existe a possibilidade de encontrar títulos de filmes à venda em lojas, hipermercados e distribuidoras de vídeo que antigamente, não vendiam diretamente para o usuário doméstico. Mas eis que nesse dia, eu fui até a locadora, pegar um filme. E algo mais acabou chamando a minha atenção. A rua do meu amigo. Aquela rua de terra onde, anos atrás, nós fizemos goleiras de pedra para jogar futebol, estava agora asfaltada. Resolvi ir fazer uma visita ao meu amigo que, depois de adultos, eu ate encontrei algumas vezes, mas não na casa dele. Para ser honesto, nunca mais estive em sua rua.
Logo na esquina, pude observar que não fora apenas o asfalto que modificara o cenário do qual guardo tantas boas lembranças. Muitas casas que não existiam ocupavam agora os terrenos outrora baldios. A creche que havia na esquina, onde ficava a irmã mais nova do meu amigo fora desativada. Restaram apenas os desenhos no muro, lembrando que ali um dia, fora um lugar repleto de crianças e consequentemente, de alegria.

Continuei caminhando. E comigo iam todas as recordações de um tempo mágico; as manhãs na escola e as tardes jogando futebol. As músicas que ouvíamos, ainda no radio, sem mp3 e sem as tantas outras coisas que vieram depois, tomando o lugar de tudo que nós, na ingenuidade da pré-adolescência, acreditávamos que seria enterno. Nem o termo “pré-adolescência,” existia! A casa onde morava uma outra colega, pela qual eu fui tão perdidamente apaixonado quanto se é quando criança, tinha agora um piso superior e o carro, era outro. O pai dela estava sentado na sacada, de frente para a rua, exatamente como ficava para assistir às nossas peladas. Ele, claro, não me reconheceu. Nem teria como. Mas eu me lembro de cada detalhe. As roupas que usávamos, as gírias do momento, a situação política do país, os craques da seleção que “éramos”. Naquela rua, ate o vento quando sopra a gente sente o mesmo que sentia, há vinte anos. E não há como não pensar: “Meu Deus, parece que foi ontem!”

Cheguei na casa do meu amigo. Também ali, algumas coisas estavam diferentes. O bar fora fechado e o espaço físico dera lugar a mais uma parte da residência. Lembro que foi lá que pela primeira vez, eu entrei do outro lado de um balcão de armazém – o pai do meu amigo era dono de um. A garagem, que servia de goleira grande “em jogos importantes”, a grade que separava a casa do bar e até o muro do vizinho, que não devolvia a bola se caísse no pátio dele, tudo me levou de volta no tempo...

Falei apenas com a mãe do meu amigo. Ela pareceu enormemente feliz em me ver outra vez e insistiu bastante para que eu entrasse um pouco. Mas não aceitei. Lembro do quanto ela era ocupada e isso, não deve ter mudado. Conversamos uns minutos no portão e comecei meu caminho de volta, imaginando como estaria o resto do pessoal e como seria se pudéssemos juntar todos, nem que fosse só mais uma vez. Tudo o que sei são algumas coisas soltas a respeito de um e de outro, casamento, filhos, trabalho, separações, reconciliações. Quanta história legal, se a turma se achasse de novo. Mas isso é uma daquelas coisas que o tempo transforma em sonho fazendo com que deixemos no campo das idéias. Talvez, para sempre.

Antes de subir a rua, da esquina ainda olhei para trás e veio aquela sensação de estar ultrapassando algum portal mágico e voltando ao mundo real. O mesmo que eu sentia quando chegava naquele ponto indo pra casa, depois de brincar a tarde toda.

Meu amigo não estava em casa. Mas foi ótimo rever uma parte de mim.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Ganhou quem mais se empenhou

Deixei para escrever sobre a grande conquista do Internacional em Dubai somente hoje propositadamente, pois queria ouvir a opinião das pessoas e jornalistas, antes de me manifestar. A caráter pessoal, devo dizer que o Inter está de parabéns por um título merecido. Não poupou jogadores, encarou a competição a nível verdadeiramente competitivo e não como pré-temporada (como, erradamente, fizeram todos os outros times) e levou para o Beira-Rio mais um lindo troféu e um milhão de dólares, quantia que é sempre muito bem vinda. Enfim, ganhou quem mais valorizou a competição.

Bem, mas antes que pensem que estou virando colorado, deixem-me falar-lhes a respeito da minha reação ao abrir a edição de hoje de um jornal muito conhecido aqui no RS e me deparar com uma coluna escrita por alguém, no mínimo, deslumbrado. Dizia o tal jornalista estar "soterrado sob o peso de tantas emoções" se referindo, claro, à conquista da Dubai Cup. Só para lembrá-lo: tais emoções (assim como todas as outras) já visitaram o estádio Olímpico muito antes. Entre 1993 e 1998 o Grêmio foi cinco vezes ao Japão, uma à Tailândia, uma ao Irã, quatro à Europa e duas à china. Em todas elas, conquistou torneios de pouca importância, dos quais até mesmo alguns gremistas nem se lembram mais, acostumados que somos a ganhar títulos. Enquanto isso, o co-irmão fazia suas pré-temporadas na serra gaúcha, exatamente como o Grêmio faz hoje. Ou seja, papéis trocados, mas nada de novo. Apenas futebol.

E o nosso jornalista-calígula colorado segue em seus deslumbres: "não tem pra ninguém. O colorado derruba os grandes com a mística de sua camiseta" "ninguém segura o Inter, de glórias imperecíveis e feitos retumbantes mundo afora" foram só algumas das pérolas que me dei ao trabalho de ler. É como dizia minha avó: quem nunca comeu melado, quando come se lambuza.

Por outro lado, embora saibamos que um jornalista deva ser mais imparcial, entendo que é difícil pedir a alguém cujo time vem ganhando tudo que aja com humildade. Seria mais ou menos como pedir a um jovem que acaba de completar dezoito anos e ganhou uma Mercedes de aniversário que não seja paquerador. Como gremista, sei bem disso. A diferença, neste caso, é que tal comportamento não combina muito com torcedores de um clube que se diz do povo e que sempre criticou o rival, a quem chamava de arrogante. Não se admire se você, ao andar pelas ruas de Porto Alegre, encontrar alguém de turbante na cabeça!