sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Assim caminha a musicalidade

A música “ai, se eu te pego”, do cantor Michel Teló é o maior sucesso do momento; isso, todo mundo já sabe; mas o cantor vem sendo alvo de críticas; bem, isso todo mundo também sabe; o que muitos não sabem é explicar o porquê de tanto nariz torcido para o som do rapaz; acho que eu sei; mas para dar minha versão dos fatos, preciso antes voltar algumas décadas no tempo...



Minha geração foi criança nos anos oitenta; portanto, meus contemporâneos e eu vimos a música brasileira passar por várias transformações; nós escutamos radio desde antes de as emissoras darem espaço às bandas de pagode; isso mesmo! Hoje parece mentira, mas houve um tempo em que as rádios simplesmente se negavam a tocar pagode; e o mesmo anteriormente, se aplicava ao sertanejo; nós acompanhamos o processo de transição dos discos de vinil para os discos laser compactos e mais recentemente, para o mp3; já vimos muita coisa em se tratando de música; e olhe que acabamos de passar dos 30 anos de idade!


O que essa geração que nasceu na web não sabe é que naquele momento, música era sinônimo de sentimento; nós (assim como a geração anterior e que, portanto, foi responsável por nossa educação musical) ouvíamos música por algum motivo e esse motivo estava ligado ao sentir; fosse porque estávamos tristes, porque estávamos contentes, porque sentíamos saudade; porque estávamos apaixonados, ou descornados; porque tínhamos fome, sede, não importa; sempre havia um sentimento por trás da música que a gente ouvia; isso norteou nossos pensamentos e inegavelmente, contribuiu para a formação das pessoas que somos hoje. Então, quando você vê hoje um cantor que conquista espaço na mídia (o que é cada vez mais difícil) usar esse mesmo espaço para realizar um trabalho sem a mesma qualidade com que estamos acostumados, acaba irritado porque temos certeza de que os nossos ídolos jamais se exporiam ao ridículo, cantando versos que não dizem nada.


Devo dizer, não incluo aqui os comentários de pessoas mal amadas, de todas as gerações, que criticam Teló pelo simples hábito de viver criticando alguma coisa e fazem dele o Cristo da vez; particularmente, nada tenho contra Michel Teló; afora o fato de achar que ele está desperdiçando seu talento como interprete; muitos, como eu, já o conheciam dos tempos de vocalista do grupo “Tradição”; ali, sim, cantando sucessos como “Campeão de Bilheteria” e “Garçom Amigo”, entre outros, ele mostrava seu valor como artista e a qualidade da sua voz; mas com “ai, se eu te pego”, ele provou que está mais interessado em quantidade do que qualidade; também não cabem aqui as pífias justificativas como “mas ele é carismático” (e ele é) “a música é um sucesso, é animadinha, gostosa de dançar” (sim, ela é); mas tudo isso apenas endossa a opinião dos contestadores: a música é ruim demais! Se a música fosse boa, o carisma do intérprete nem seria mencionado; observem, por exemplo, a qualidade musical do emburrado João Gilberto; e, para não nos prendermos à música, alguém já ouviu comentários sobre a simpatia de Arnaldo Jabor? Eu, nunca; não precisa; a qualidade do seu trabalho é o que aparece, porque é ela que deve aparecer.


Qualidade; esta palavra anda meio em desuso na MPB; no começo, quando aquela dupla de MC’s cantava nos domingões “sabe, tchuru ruru” eu achava que fosse coisa da minha cabeça, que músicas como aquela jamais iriam ganhar muito espaço; daí, veio a garrafinha, que tinha boca pra gente dançar; veio neném e o pinto do meu pai, que dizem, fugiu com a galinha da vizinha; até carrinho de mão apareceu; e nessa granja que virou a música brasileira, tinha até uma tal de eguinha dando seus relinchos pelos palcos, Brasil afora; dizer que isso representa a cultura nacional então, parece piada; tem que ser alguém muito sem noção para concordar com essa ideia que é, no mínimo, constrangedora; imaginem um estrangeiro vindo pra cá e voltando pra sua terra, dançando essas coisas e dizendo pros vizinhos “aprendi isso no Brasil; é a cultura deles”; eu, não sairia mais de casa;


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Sempre fale com estranhos




Sou o típico fã de idosos; gosto do seu andar vagaroso, a maneira serena com que lidam com tudo e todos; me encanto em especial com os seus cabelos brancos, porque sei que ali está o maior símbolo da sua sabedoria; mas me fascina mais ainda o fato de saber que a história foi escrita enquanto aqueles cabelos embranqueciam; o mundo viu surgir o telefone, a TV, os campeões do esporte, os ditadores e os que lutaram pela paz; tudo isso aconteceu durante o tempo em que nossos pais nasceram, cresceram, se tornaram pais e avós; não é fascinante?


Sempre aprendo alguma coisa com os idosos; gosto também da forma como são receptivos e falantes; não se defendem, não tem medo; um idoso já nos trata no primeiro encontro como se nos conhecesse há anos e uma semana de amizade tem a proporção de quase uma vida inteira; como os idosos lidam bem com a efemeridade do tempo! Parece que nunca em suas vidas eles ouviram falar na frase que eu cresci escutando: “nunca fale com estranhos”.


Obviamente, não obedeci à risca essa recomendação que por sinal, foi dada pela primeira vez pela minha avó; e mais obviamente ainda, colhi os benefícios e agruras dessa minha desobediência; mas posso dizer sem medo de errar que mais ganhei do que perdi nessa manobra, ao longo da vida; também não significa que eu não siga os conselhos dos mais velhos, a despeito da minha simpatia para com eles; é que, digamos, eu não falo com estranhos, se esses forem jovens; falo somente com estranhos idosos; isto é, ah, vocês entenderam!


Agora, imagine a seguinte cena: há uma fila de banco, muitas pessoas, cada uma com mil coisas para fazer e querendo sair dali o mais depressa possível; os idosos também estão ali, apenas na caixa preferencial; há jovens, moças, rapazes, senhores e mulheres de todas as idades; então, de repente, ouve-se aquela voz de um dos caixas: “pessoal, o sistema saiu do ar. Peço que aguardem uns minutinhos”.


Adivinhe quem é que se mostra tolerante? Quem, dentre os presentes não emite um palavrão repulsivo, nem sequer balança a cabeça em negativa? Nem o mais sutil sinal de reprovação? Certo, os idosos! Certa vez, me encontrava na situação em que acabo de descrever; ao ouvir a notícia da queda do sistema, confidenciei ao meu companheiro de fila, posicionado imediatamente à minha frente: “não é possível! Mas que droga! E agora?” e já me preparava para desfiar um rosário de lamentações sobre o pobre homem, quando este me interrompera com um simples, mas firme: “agora, tem que esperar voltar”.


E não é que ele tinha toda a razão?


O referido senhor nem era assim tão idoso; prova está que ele estava na mesma fila que eu; foi somente depois da maneira serena como ele se comportou que prestei mais atenção a ele: aparentava algo em torno de cinqüenta anos de idade; cabelos levemente grisalhos; não era rico, mas via-se que tinha bom porte, parecendo ter sido a vida toda um perfeito cavalheiro; a certa altura da vida, todo homem passa a ter essa aparência, mesmo que tenha sido sempre um mero coadjuvante em todos os papeis que desempenhara; e é isso que me impressiona nos idosos; eles sabem lidar com todas as situações com equilíbrio, de modo que aquela pessoa parece ter sido daquele jeito a vida toda; a maturidade traz sabedoria para driblar as mazelas da vida de um jeito que a vitalidade da juventude jamais conseguiria; é por isso que eu sempre desejei a eterna velhice e não a eterna juventude; já pensou passar a eternidade reclamando das filas dos bancos? Isso não é para mim!


Porém, não há como negar: a maturidade como a conhecemos, está desaparecendo; em algumas décadas, provavelmente não veremos mais vovós fazendo bolos, tricotando ou tomando chá da tarde com as amigas; tenho um conhecido cuja avó é um grande exemplo disso; a avó, uma senhora já quase septuagenária, dirige carro, faz academia, toca violão, vai com os esposo a bailes toda semana, é presidente da associação de seu bairro e acha tempo para lecionar geografia; aposentadoria, como ela mesma define, é “coisa de velho”; seu cabelo é branco e ela não reclama de enfrentar filas; nunca a vi dirigindo, mas quase posso jurar que ela nunca xinga os outros motoristas, no trânsito. Esta é a nova idade madura; um novo tempo está chegando. Graças a Deus!