terça-feira, 11 de junho de 2013

Cento e oitenta milhões em reclamação


Como a maioria das pessoas, ando um pouco ranzinza com essa historia de copa do mundo no Brasil. Mas meus motivos, tenho certeza, são um pouco diferentes dos delas. Eu ando ranzinza com quem anda ranzinza; explico: ora, o evento máximo do futebol prestes a acontecer na terra do futebol e todo mundo só sabe reclamar que vai dar engarrafamento e aeroporto congestionado? Será que houve tanta reclamação assim na áfrica, na Alemanha ou no Japão e na Coréia? – isso para citar apenas os mais recentes hóspedes da copa. Não, não foi uma pergunta. Se fosse a resposta seria ‘não’. Todos esses países ficaram satisfeitíssimos em receber um acontecimento da grandeza da copa do mundo – a despeito da arrogância da entidade “maior” do futebol, que insiste em empurrar garganta abaixo o seu já defasado nome, obrigando até as televisões a pronunciar a sigla, a cada vez que se fala em copa do mundo.


Voltemos aos brasileiros. Não adianta tentar fazê-los enxergar os benefícios que a copa trará; é inútil falar em legado (talvez funcionasse se alguém explicasse o significado desta palavra); os que não vêm sentido no desenvolvimento econômico insistem em preservar as árvores e deixar as ruas estreitas, as mesmas ruas que depois, se congestionam – culpa das montadoras, que estão fabricando carros demais – falam em utilização de bicicletas, mas assim como as copas do mundo, isso também parece recurso exclusivo dos europeus. Por aqui, a coisa “funciona” mais ou menos assim: ‘se os outros usassem mais a bicicleta, então, eu não ficaria preso no trânsito com meu carro e não precisariam derrubar as árvores para alargar a pista’.


Imagina na copa!


No último amistoso da seleção antes da estreia na copa das confederações, Brasil e França se enfrentaram na arena do Grêmio. Eu estava jogando tênis em um parque quando passou na rua em frente, um ônibus de turismo, escoltados por aqueles batedores de motocicletas, com suas luzes e sirenes chamando a atenção de todo mundo. Lembro que era a minha vez de sacar, mas parei para ver a cena. Acho que era o ônibus levando a seleção francesa, pois a nossa, tem seu próprio veículo. Sei que uma parte de mim, foi para a arena dentro daquele ônibus; não, eu não queria ser francês e jogar contra o Brasil. Eu queria ter sido jogador de futebol; goleiro e da seleção; mas também não é por não ter conseguido ser que eu estou tão eufórico com a copa, aliás, com as duas copas que serão realizadas por aqui. É porque estamos vivos e com saúde para presenciar um momento único, uma passagem histórica no esporte mundial e que, muito provavelmente, não veremos outra vez, nesta vida. Exatamente como quando colecionávamos figurinhas das copas passadas. Só que agora ao vivo, praticamente no pátio de casa! Aí está a razão da minha empolgação.


Depois do tênis, fui com meu colega e a família dele almoçar no shopping; ao passar por uma loja de eletrônicos, havia uma TV de sei lá quantas polegadas, bem na entrada – sintonizada em desenho animado! Eram mais de quatro da tarde (hora de início da partida) e minha vontade foi perguntar ao vendedor por que motivo aquela GERINGONÇA, vendida a peso de ouro, que tem a mesma função da Telefunken da minha avó, hoje aposentada em cima do guarda roupas (a TV, não a avó) não estava sintonizada no jogo da seleção do meu país! Daí, eu chego em casa, ligo a TV no domingo de noite, em um programa esportivo e a enquete dá o resultado da pergunta: “pelo que apresentou hoje contra a França, o Brasil tem condições de ser campeão da copa das confederações?” e sessenta e dois por cento respondem que não(!)

 

Lembrei-me de um antigo programa de perguntas e respostas no qual, de vez em quando o apresentador dizia “mas você entendeu bem a pergunta? Oeeee!” sim, porque somente isso é capaz de explicar um resultado desses: quem respondeu não entendeu a pergunta. Então, vamos reproduzir aqui, falando paulatinamente e mentalizando gestos: pelo que apresentou HO-JE, o Brasil tem condições de ser campeão da CO-PA DAS CON-FE-DE-RA-ÇÕ-ES? Ora, se vencendo a França por três a zero, sessenta e dois por cento acham que não ganha a copinha, eu proponho outra pesquisa interativa: ‘o que você acha que o Brasil vai fazer na copa do mundo em 2014?’ 1) papel de palhaço; ou 2) tornar o acarajé um alimento mundialmente conhecido.


Enfim, eu ando ranzinza; não com a copa; com essa, estou feliz da vida. Não sei se o Brasil vai ser campeão, mas o importante é que verei uma copa do mundo; falarei com pessoas de (quase) todo mundo, conhecerei hábitos diferentes e elementos culturais que, sem o mundial, eu poderia nunca vir a conhecer. Não vou perder tempo derrubando beicinho porque o trânsito está devagar (coisa que, diga-se, vem acontecendo muito antes da copa) e assim como japoneses, coreanos, alemães e africanos, entrarei para o seleto time dos povos que sediaram uma copa do mundo de futebol. Só aí, já terei muito a comemorar!

 

PS: será que já tem alguém fazendo birra no Kattar, pela copa de 2022?

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Minha Santa Maria

Para a cidade de Santa Maria, o fim do mundo chegou com atraso; em relação à previsão do calendário Maia, que dizia que o fim do mundo seria em 21 de Dezembro do ano passado, exatos 36 dias separaram o anunciado Apolicapse que logo viraria piada de uma tragédia real para os moradores da referida cidade; dizem que o fim do mundo é algo relativo. Quando eu era criança, outra Santa Maria me ensinou que o mundo acabava todos os dias para quem morria; para essa senhora, o mundo acabou também em um 27, o de Dezembro de 1994; minha Santa Maria foi responsável pela minha educação e por pelo menos 80% do homem que sou hoje; minha avó, dona Santa, como era conhecida, não viu o fim do mundo na cidade da qual ela herdou o nome; nós, sim; em tempos de comunicação instantânea, vimos em Santa Maria foi o fim de um mundo que em nada lembra relativização; foi, sim, o fim do mundo inteiro; e também do mundo de cada um de nós; quem não precisou chorar a morte de um ente querido, igualmente se estarreceu diante da fragilidade da vida, incapaz de resistir ao afunilamento de pessoas rumo a uma única saída de um estabelecimento; situação aliás, bastante comum em qualquer casa de shows, estádios, supermercados e demais locais onde haja aglomeração de pessoas, hoje em dia; acontece o tempo todo, em qualquer cidade de um mundo que agora, vai tentar se recriar a partir das cinzas da boate Kiss.


Tudo já foi dito sobre as emocionantes manifestações de solidariedade de pessoas que abandonaram o conforto de suas casas para ajudar quem precisava; tudo já foi dito a respeito da necessidade de se buscar e encontrar respostas, a fim de evitar novas catástrofes; nada mais há citar também no que diz respeito à necessidade de melhorias do ponto de vista técnico e operacional de eventos como esse; famosos e anônimos manifestaram suas condolências da forma como puderam; foram camisetas, pulseiras e fitas amarradas nos dedos, todas da cor preta; foram mensagens de conforto via redes sociais de todo tipo; foram telefonemas, abraços e palavras de quem pôde estar perto para ajudar nesta hora que, por mais que saibamos que vai chegar um dia, sempre parece acontecer cedo demais.


Por isso, o que quero deixar aqui é a minha revolta com uma minoria que se aproveitou de uma tragédia dessas proporções para justificar seu fanatismo imbecil; pessoas que seguem "religiões" cujo único objetivo é dominar mentes incapazes de funcionar sem um "líder" que lhes diga o que fazer, usaram o incêndio da boate Kiss para "alertar para a necessidade de se buscar diversão no lugar correto"; ora, como esses acéfalos só sabem trilhar o caminho do burro em direção às suas igrejas, imagino que as mesmas sejam o "lugar correto", onde elas vão buscar "diversão". Todos sabem que o fanatismo é irritante, preconceituoso e por isso mesmo, acaba tendo efeito oposto ao que querem os religiosos fanáticos: afasta as pessoas das igrejas. O que me revolta é ver que essas pessoas tentam justificar o que elas tem como sendo a verdade a partir de um acidente que tirou a vida de mais de duas centenas de pessoas! Tal não chega a ser surpresa se pensarmos como esse bando de ovelhas (no sentido literal da expressão) acredita que até mesmo um simples tropeção na rua pode ser causado pela "falta de Deus" em nossas vidas. Se fosse assim, como explicar o desabamento do teto de uma igreja em vila Mariana, São Paulo? (leia mais aqui http://pt.wikipedia.org/wiki/Desabamento_do_teto_da_igreja_Renascer_em_Cristo_em_2009) será que os fiéis presentes naquele momento não estavam exercitando a fé com intensidade suficiente para segurar o teto em seu devido lugar? Ou mais certo seria imaginar que o dízimo arrecadado não foi o bastante para financiar uma vistoria e, eventualmente, uma reforma a tempo de evitar o acidente? O infeliz exercício de desumanidade prestado pelos que perderam a chance de ficar calados, citando a boate Kiss como justificativa para sua forma de pensar, evidencia apenas uma coisa: a mentalidade tola de pessoas que vivem cerceadas em uma redoma que consideram perfeita, vivendo suas meias-vidas de uma forma medíocre, "orientadas" por líderes que, por sua vez, não possuem qualquer condição de dizer aos outros o que é certo ou errado.


Minha avó, Santa Maria, me ensinou que Deus é bom; me ensinou também, a não acreditar muito em igrejas, nem em líderes terrenos. Da outra Santa Maria, nada sei, nem conheço um único habitante sequer; mas nem por isso deixei de me emocionar com o que vi e o que li; muito se falou em pais enterrando filhos, e também sobre uma dor que somente quem é mãe consegue entender; mas na verdade, todos nós temos alguém que amamos; alguém que temos medo de que saia de casa e não volte com vida; alguém em quem logo pensamos quando assistimos reportagens como a da boate Kiss. Meus sentimentos estão com todos os que perderam alguém nesse triste 27 de Janeiro de 2013. Mas, se há uma lição em tudo o que acontece na vida, meu desejo é também o de que, tão logo o tempo faça sua parte no processo de cura de nossos corações, possamos nos lembrar dessa tragédia para deixar claro, em cada palavra e em cada gesto, o quanto gostamos das pessoas que fazem parte de nossoas vidas.

Sempre; não apenas até a próxima tragédia.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Nem contra, nem a favor; muito pelo contrário

Pensar sempre o que se diz é um dever, mas dizer sempre o que se pensa é, no mínimo, uma extravagância; ter opinião quase sempre é preciso; expressá-la, quase nunca é necessário; quando assim se faz, recomenda-se que o bom senso seja o mediador, em qualquer caso; ao mesmo tempo, é preciso que se saiba não cair no eufemismo; ser sutil não é mascarar, embelezar o que deve ser dito; é a tentativa que farei hoje; não sei se vou conseguir.

Comecei com o parágrafo acima porque estamos em tempo de eleições; um tempo em que todos reclamamos de algo: o barulho desagradável dos carros de som fazendo propaganda política; o horário reservado que rouba o tempo dos nossos programas favoritos na TV; não queremos ser incomodados por panfletistas nas ruas, mesmo que o folheto  apresentado seja o do nosso candidato; já sabemos em quem vamos votar, já decidimos tudo, não precisamos de ajuda; na verdade, se pudéssemos, nem mesmo iríamos às urnas, uma vez que não há mesmo ninguém em quem valha a pena votar; o Brasil está perdido e a culpa é dos políticos.

Diante desse pensamento, tão repetitivo quanto inflexível, devo dizer (com o máximo de bom senso possível) que sou plenamente a favor da transmissão automática de todo e qualquer cargo político, hereditariamente falando; filhos de prefeitos, governadores e do presidente do Brasil receberiam, aos 18 anos de idade, por exemplo, a missão de continuar o mandato do pai e, da mesma forma, transmitiriam o mesmo mandato aos netos deles; nada de querer ser atleta ou artista; filho de peixe, político tem que ser; aliás, São Paulo já tem um péssimo exemplo de filho de prefeita que virou cantor; se for pra fazer música ruim, que vá fazer política!

Peguemos o exemplo dos britânicos; ninguém reclama de nada na Inglaterra; não há poluição sonora nem visual em época de eleição - que eles não têm; há ainda a vantagem de ter a nação mundialmente projetada a cada vez que o cetro real é passado a um herdeiro; inclusive, quando algum príncipe resolve entornar uns goles a mais, isso também rapidamente se torna notícia, gerando dezenas de piadas; até os comediantes na Inglaterra saem ganhando com os reis, rainhas e príncipes; e viva a monarquia!

Claro, teríamos que tomar alguns cuidados ao implantar esse sistema no Brasil; o monarca não poderia ter cumprido reinado em nenhuma outra esfera, como por exemplo, rei do futebol, ou rei da música; também não poderia se admitir um rei analfabeto, nem que tivesse sido líder sindical; mulheres seriam boas rainhas, porque no Brasil, tudo o que mulher faz dá mais resultado; tempos atrás, até se cogitou transformar nosso país em república do Tchan; a presidente (rainha) seria uma tal Sheila; que ideia do carvalho!

Que falta de bom senso...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Obra do acaso

O ano era 1997; lembro que era inverno e naquele dia caía uma chuva fina e insistente, típica da estação; eu estava sentado no saguão da sede do meu então novíssimo curso de informática e, para ver a rua, tinha que olhar para a minha direita, através das enormes portas de vidro; dali a pouco eu iria entrar para mais uma aula e, como naquele tempo eu ainda não tinha PC em casa, esperava por aquelas horas semanais em frente ao computador com grande ansiedade e as aproveitava ao máximo; fiz alguns bons amigos, que depois, as circunstâncias da vida me tiraram, como às vezes acontece; mas sem dúvida, aqueles nove meses de cursinho são até hoje uma fabulosa e marcante lembrança daquele distante 1997.

É impressionante como as grandes lições deixam marcas para sempre! E o mais interessante (que é também o que quero contar hoje) é que a referida lição nem teve a ver com informática de fato. Ocorre que nesse mesmo dia que citei, eu entrei na sala de aula com uma latinha de refrigerante e a depositei em cima da mesa, bem ao lado do PC; ao que André, o instrutor, prontamente me informara que tal não era permitido; tentei então argumentar que não havia a menor possibilidade de eu derrubar o líquido, atingindo o computador - motivo da proibição; mas eis que André contra argumentou da seguinte forma:

- É claro que ninguém vai fazer uma coisa dessas de propósito - concordei com a cabeça - e sem querer tudo pode acontecer.

Mais do que ter saído da sala para acabar de beber o refrigerante e só então ter voltado, ficou em mim o aprendizado implícito na situação: que coisas ruins podem acontecer, sob o pretexto de não ter havido intenção de causar prejuízo! Quantos episódios  (desde pequenos incidentes até desastres incalculáveis) podem ser evitados, bastando para isso que se use a prevenção; como diz o ditado: é melhor do que remediar.

Sob o pretexto do "sem querer", pessoas nascem (e morrem!) ocorrem acidentes no trânsito, em família e em parques de diversões; no futebol, um gol contra (marcado, é claro, sem querer) costuma ter consequências danosas, quando não trágicas; afinal, quem não se lembra do triste caso do zagueiro colombiano Escobar, assassinado na porta de uma danceteria em Medelín, supostamente por causa de um gol contra, marcado na copa do mundo de 1994? Também Roberto Bolanõs, o Chaves, deu sua contribuição ao não premeditado ao imortalizar a expressão "foi sem querer querendo"; talvez aí esteja mesmo a melhor forma de se tentar compreender os males causados pelo acaso: a criança que tenta se justificar o erro com a peculiar inocência; mas isso, acrescente-se, só vale para crianças.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Estatuto do Comentarista

Hoje o papo é sobre futebol; um assunto sobre o qual todo mundo no Brasil tem opinião formada; até quem não joga/assiste futebol tem; é aí que começa o erro: formar opinião sobre um assunto do qual nada se sabe; mas isso é bem comum; as pessoas falam sobre tudo, até sobre o que nada sabem. Em 2003 foi criado o estatuto do torcedor, que visa garantir melhorias às pessoas que frequentam estádios; mais do que ser cumprido ou não, o estatuto do torcedor necessita, a meu ver, de uma ferramenta complementar; por isso, quero deixar aqui a minha modesta contribuição, a qual chamarei de Estatuto do Comentarista; trata-se de um pequeno, mas significativo conjunto de regras explicativas para ajudar as pessoas que gostam de emitir comentários tanto sobre o futebol como jogo em si, como sobre a vida dos atletas fora de campo; os parágrafos e artigos estão enumerados conforme me vêm à mente. Vamos lá:

Parágrafo I: o futebol como o conhecemos hoje, foi inventado pelos ingleses, por volta de 1871; mas há relatos de um jogo muito parecido na Idade Média, na Grécia, em Roma e até mesmo na China Antiga - cerca de 3000 anos A.C. Isto significa que filhos, sobrinhos e netos que quebram coisas com boladas dentro da casa não devem ser culpados; não foi a geração deles que inventou nada disso;

Parágrafo II: os ingleses supracitados eram rapazes de fino trato, oriundos da alta sociedade britânica; ou seja, em palavras mais simples, o futebol não é coisa de pobre; ao contrário, no Brasil, por exemplo, o Grêmio de Porto Alegre teve seu primeiro estádio no bairro Moinhos de Vento, tido até hoje como um dos mais nobres da capital gaúcha;

Parágrafo II art. II: no caso de o comentarista em questão não ter a disposição necessária para estudar a historia do futebol, recomenda-se a visitação a qualquer loja de artigos esportivos; a verificação dos preços das bolas, chuteiras e demais artigos de futebol acabará com qualquer associação à pobreza, por parte dos praticantes;

Parágrafo III: de todos os jogadores vinculados a federações, Brasil afora (cerca de 13 mil atletas) apenas um por cento recebe mais do que dois salários mínimos por mês; o comentarista deve ter isso em mente, sempre que for mencionar os supostos altos ganhos monetários de um atleta do futebol;

Parágrafo III art. II: em muitos casos, o salário do atleta é pago por um (ou mais de um) patrocinador e não pelo clube que defende; o cidadão assalariado não deve, portanto, reclamar de sua própria condição, pois, entende-se, que, se seu patrão tivesse o apoio financeiro de uma companhia petrolífera, uma empresa de telefonia móvel ou afins, também o proletariado receberia altos salários; mas isso não acontece; e não é culpa dos homens que trabalham com futebol;

Parágrafo III art. III: no caso de salários pagos pelo clube, segue-se o ciclo 'patrocínio-arrecadação-depósito'; isso se chama capital de giro e acontece em qualquer esporte, como por exemplo, o remo, o tennis e o golfe; comentaristas de futebol devem ler também sobre os demais esportes de competição;

Parágrafo III art. IV: professores não devem se comparar a atletas do futebol; isto porque no Brasil, paga-se muito a quem faz o que é valorizado por muitos, não a quem sabe mais do que os outros;

Parágrafo IV: ao contrário do que prega o senso comum, jogadores de futebol não tem nenhum privilégio particular por causa da profissão que desempenham; trabalham sob chuva/frio/calor intensos (como lixeiros ou pedreiros, por exemplo) tem rotina, alimentação controlada e ficam longe de suas famílias;

Parágrafo V: o preço que o torcedor paga por uma camisa oficial do seu time é igualmente cobrada de um atleta do quadro principal do clube, salvo quando este pratica a troca de camisas com o adversário, ao fim da partida; atitudes como jogar o fardamento para a torcida, por exemplo, são punidas com o desconto do respectivo valor do salário do atleta, ao fim do mês;

Parágrafo VI: torcedor precisa entender que atletas do futebol são seres humanos; se o jogador comete um erro de conduta, ele deve receber sua punição e a historia deve ser esquecida; quando um médico esquece algum instrumento dentro do paciente, as manchetes sobre isso raramente duram mais do que um dia;

Parágrafo VI art. II: nas horas de folga, um jogador de futebol tem o direito de ir aonde tiver vontade e fazer o que quiser; comentaristas de futebol não opinam sobre um balconista de padaria que comete adultério; recomenda-se a mesma postura com um atleta do futebol;

Parágrafo VII: jogadores de futebol são atletas, alguns considerados de alto nível; chegar a esse patamar demanda tempo e a vida é feita de escolhas; enquanto um jogador aprimora suas habilidades com a bola no pé, estudantes aprimoram suas habilidades acadêmicas; às vezes, essa diferença instrutiva aparece em uma entrevista; que isso não seja motivo de crítica; cada um deve tentar ser o melhor naquilo que escolhe fazer;

Parágrafo VIII: quando um torcedor encontra na rua alguém dirigindo um automóvel da marca concorrente do seu, presume-se, ele não agride o motorista; deve se ter a mesma conduta ao encontrar um atleta do futebol que defende o time adversário;

Se este Estatuto do Comentarista fosse levado em consideração, muitos de nós seriam poupados do desinformado discurso ministrado por tantos (de)formadores de opinião, Brasil afora.

Tenho certeza disto!

sábado, 30 de junho de 2012

Esporte de quem?

Quem gosta de futebol e o acompanha sabe que amanhã se conhecerá o campeão da Eurocopa 2012; a final entre Itália e Espanha será 15:45 da tarde, com transmissão ao vivo para dezenas de países; mesmo quem não torce para nenhum dos dois times, acaba tomando conhecimento dos fatos. Porém, uma coisa de que não gosto particularmente na transmissão do futebol moderno são esses horários de inicio (quinze pras quatro lá é hora de começar futebol? Futebol começa três e meia ou quatro horas, caramba! Quinze pras quatro é de hora de trem passar!) mas enfim, como ninguém me consultou para definir esse horário, vamos de quinze pras quatro, mesmo.

Contudo, se há algo que pode impressionar até mesmo quem não entende por que ninguém passa a bola para o baixinho de camisa preta, é a organização dos eventos esportivos europeus; sabem vender um espetáculo, esses gringos! Fazem de um jogo de bola, algo que acontece na esquina da sua rua, um mega acontecimento, que deixa o mundo todo com vontade de assistir; desde a publicidade, com os jogadores de maior destaque fazendo chamadas na mídia, até estádios com lugares marcados, teto retrátil e gramado deslocável. Sim, senhor. É de se admirar. O que vem por aí? Chip na bola? Aí, já é mais complicado; vamos deixar para os homens que decidem essas coisas.


Mas o que quero falar hoje me veio durante a transmissão da semifinal, entre Itália e Alemanha; o jogo já estava dois a zero para os italianos, com dois gols de Mário Balotelli; para quem não sabe, Balotelli é negro, naturalizado italiano e, após o segundo gol havia comemorado com muita “marra”, como se diz. Pois bem; pouco antes do fim do primeiro tempo, o mesmo Balotelli “sentiu dores” e caiu em campo, quando a bola estava nas mãos do goleiro alemão Neuer, o mesmo que levara os dois gols e que agora, se aprontava para chutar para frente, após praticar uma defesa; Neuer, no entanto, ao ver Balotelli caído, supostamente sofrendo de dores, não hesitou em chutar para fora, possibilitando o atendimento médico ao adversário.


Poderia encerrar a crônica aqui; não cabem interjeições de admiração quanto ao comportamento do goleiro; não cabem extensos parágrafos comparativos em relação ao comportamento dos jogadores brasileiros; até porque, tanto lá quanto aqui, creio que o mesmo se deve primeiramente a uma questão cultural, somente depois vem o que acontece dentro de campo; quero dizer, se aprende antes, fora (tanto o certo quanto o errado) e depois, se aplica em campo o que se aprendeu. Mais do que ficar admirado com a atitude humanista do goleiro alemão (em desvantagem no placar, o que sempre torna mais difícil ainda qualquer manobra no sentido se colocar o outro em primeiro lugar) fiquei com um forte desejo de ver a mesma atitude sendo praticada nos campos do meu Brasil; mas para isso, precisamos resgatar o ensinamento de que é correto pôr o outro em primeiro lugar, quando ele necessitar disso; depois, é preciso que os técnicos das categorias de base deixem de ensinar comportamentos errados com a justificativa de que são “malandragens”, “coisas do jogo” e outras explicações pouco lógicas e nada convincentes; ah, sim; precisamos também parar de ver futebol como esporte de pobre.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Amigos Para Sempre

“Alô, Luciano? É o Thiago. Tô te ligando pra dizer que a gente tá mudando de quadra”. Com esta frase, meu amigo e colega de futebol semanal abriu a conversa que teve comigo no celular ontem; além de avisar sobre o novo local de nossos embates esportivos, Thiago, sem saber, fez rodar em minha mente um filme que se passou em menos de um segundo. Se você não está entendendo nada, por favor, continue lendo. Mais para a frente tudo vai fazer sentido.

Eu conheci a turma do professor (de educação física na PUCRS) João em 2007. Eu havia acabado de deixar o time pelo qual jogava e o pessoal dele precisava de um goleiro; foi assim que entrei na vida da galera. Não posso dizer que sou amigo de todo mundo, mas mantenho uma relação civilizada com todos e bastante próxima de alguns. Descontado o tempo em que morei fora do Rio Grande do Sul, jogo bola com esses caras há cinco anos. De lá para cá, me acostumei a encontrá-los todas as segundas feiras; quando falto ou quando o jogo é cancelado, seja por qualquer motivo, minha semana fica incompleta, faltando alguma coisa.

Já aprendi a reconhecer mais ou menos cada um; o atencioso Maurinho sempre me cumprimenta efusivamente, mesmo quando chega atrasado; é comum vê-lo tirando os sapatos e calçando as chuteiras ali na quadra mesmo, sem tempo para ir ao vestiário; Erlon não perde dividida; viril, mas sempre com muita lealdade, carrega justificada fama de esquentado; quando ele se irrita e sai de quadra no meio do jogo, é inútil tentar convencer o cara a voltar; Satanás (que a despeito do apelido, é um ótimo sujeito) é pesado, mas bom de bola; seria craque, mesmo não sendo mais um juvenil, se tivesse uns trinta quilos a menos; quando sofre uma falta e cai no chão, ele mesmo grita “chama lá a Darci Pacheco”!

Hélio é a “contratação mais recente”; negrão de sorriso fácil e futebol simplificado, lembrando o Célio Silva, que fez carreira na zaga do Inter de Porto Alegre; foi meu colega de escola e pra mim, é um orgulho tê-lo de volta à minha vida após tantas idas e voltas, mundo afora; Thiago, o do telefonema, é o zagueiro com pernas estilo “CPI do congresso”: nunca terminam! Quando você acha que já deixou o cara para trás, ele está de novo à sua frente! O grupo tem dois Fabrícios, ambos bons de bola, capazes de decidir um jogo em um lance; Jefferson, quando erra, escuta coisas tipo “tira a franja dos olhos”; detalhe: o cara é completamente careca! Gilson, vulgo “Ratinho”, imortal como o time que ele torce; já derrotou duas cirurgias cardíacas; sua música seria aquela que diz “ele é o bom, é o bom, é o bom”; bom como artilheiro, bom como pai, bom como cidadão; bom até, dizem, como ex marido, mas aí já não sei; o simpático Paulo, ex atleta olímpico, é o que está sempre faltando; não sei o que ele faz, mas já ouvi dizer que ele anda até pela França; tem mania de dizer, ao fim dos jogos, que eu fui o destaque; bondade dele, quase nunca é verdade; ah, sim; tem também os que já saíram, como o Zé, irmão do professor João e o Augusto, dono dos mais longos (e nem sempre tão precisos) lançamentos ao campo de ataque; e tem o João, o professor; de pique fácil, está sempre alguns quilos mais magro; tem a missão de apaziguar os ânimos em todas as desavenças; cuca fresca, não sei como consegue, eu não conseguiria; engraçado, agora me ocorre que sou o único ali que o chama de “professor”, mesmo nunca tendo sido aluno seu; e assim, há cinco anos viemos juntos, dividindo jogos e historias de uma vida, que pelo menos às segundas feiras, tem algo em comum: a paixão pelo futebol. Naquela quadra, foram cinco anos que deixarão saudade; mas tudo o que começa acaba um dia; ou muda; e nós estamos mudando. Não o dia da semana, mas sim a hora e o local dos jogos. Seja bem vindo, novo tempo! Mais historias começarão a ser escritas a cada sete dias. E obrigado, amigos, por estarem em minha vida. Vejo vocês segunda feira que vem.